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No momento você está vendo Parte de serra, cartão-postal de Tiradentes, pode ser leiloada para mineração

A Justiça suspendeu por 30 dias o leilão de um terreno de quase 10 hectares dentro de uma Área de Preservação Ambiental (APA) repleta de cachoeiras, represas e animais silvestres, na serra de São José, que emoldura a cidade de Tiradentes, na região do Campo das Vertentes. O pregão, que estava marcado para acontecer na última segunda-feira (22 de maio) e é consequência de uma disputa judicial entre a dona do local e o Instituto Estadual de Florestas (IEF), chegou a receber propostas de pouco mais de R$ 120 mil de uma mineradora e de empresas interessadas em construir resorts e hotéis no local.

A situação foi descoberta pelo professor, historiador e ambientalista da cidade Luiz Cruz, de 74 anos. Após receber ligações de pessoas interessadas no leilão da área, ele denunciou que a venda estava prestes a acontecer à Prefeitura de Tiradentes, que acabou se mobilizando e conseguiu impedir na Justiça a venda do local. Segundo ele, a região conhecida como “Mangue” foi adquirida anos atrás pela Sociedade Amigos de Tiradentes (SAT), porém, em 2009, um incêndio atingiu o local e a entidade acabou sendo multada pelo IEF e denunciada pelo Ministério Público (MPMG).

“A sociedade foi autuada, mas não recorreu, não pagou, e o processo foi correndo na Justiça. Quando eu descobri, o leilão judicial já estava prestes a acontecer. Essa é uma área muito importante para a recreação da população, para o turismo, mas, também, para a preservação da biodiversidade. Ali existe uma grande concentração de libélulas, espécie que inclusive dá nome ao Refúgio Estadual da Serra de São José, do próprio IEF”, detalhou o ambientalista.

Segundo Cruz, uma das pessoas interessadas no terreno, inclusive, teria entrado em contato com ele e falado que, se adquirisse o local, pretendia “fechar tudo”, uma vez que se tornaria uma área privada. “Se isso acontece, a cidade perderia uma área muito rica e com relação à nossa memória, à afetividade dos moradores. É uma questão muito importante”, completou o ambientalista.

Procurado pela reportagem, o governo de Minas, por meio da Advocacia-Geral do Estado informou que o terreno em questão não pertence ao Instituto Estadual de Florestas (IEF). “Em 2009, a Advocacia-Geral do Estado (AGE-MG) ajuizou a ação, em razão de multa ambiental aplicada pelo IEF e não paga pela ré. Após todos os trâmites legais, foi necessária a execução fiscal, como determina a legislação, contra a ré”, esclareceu.

A AGE-MG ponderou ainda que a Justiça determinou que o referido imóvel fosse à leilão, cujo valor em 2009 era de R$ 130 mil, e, atualmente está em torno de R$ 400 mil.

“Poucos dias antes da data do leilão, a Prefeitura de Tiradentes, embora não seja parte na ação, entrou em contato com o Estado solicitando a suspensão do leilão para que tratativas em busca de um acordo ocorram.
A AGE-MG concordou com a suspensão do leilão. Foi estabelecido prazo de 30 dias para as tratativas que visem o pagamento pela ré do crédito ambiental ao IEF”, ponderou no comunicado.

Prefeitura quer desapropriar e construir parque local

Ouvido pela reportagem de O TEMPO nesta terça-feira (23 de maio), o secretário de governo de Tiradentes, Rogério de Almeida, explicou que a Justiça concedeu o prazo de um mês para que eles tentem reverter a situação. “O que a gente fez foi demonstrar o interesse na área. O prefeito Nilzio Pinto (MDB) fez um decreto de desapropriação para demonstrar o interesse do município em construir um parque no terreno”, afirmou.

Ainda segundo ele, o caso vai além da questão ambiental, por envolver a memória dos moradores da cidade. “Aqui em Tiradentes, todo mundo frequenta o espaço, leva a família para nadar, brincar, se divertir. Então, é uma questão afetiva para todos nós. Crescemos ali, é o ‘quintal de casa'”, completou o secretário.

Almeida também destacou o baixo preço que poderia ser cobrado pela importante área, que tem aproximadamente 100 mil m² e teve o maior lance de R$ 131 mil. “São mais de 300 lotes de 300 metros. Quem não se interessaria por um terreno, com cachoeira, água, e beirando Tiradentes, por este preço?”, brincou.

A Prefeitura de Tiradentes fará uma reunião nesta quarta-feira (24 de maio), com o setor jurídico e ambiental do município para discutir as formas para que a cidade mantenha o local aberto à população. Já o ambientalista Luiz Cruz disse que pretende organizar uma manifestação na cidade para cobrar a preservação da região do Mangue.

Uma das atrações do local que seria vendido é a Cachoeira do Mangue

Tombamento da serra se arrasta desde 1979

Apesar do tombamento paisagístico municipal da serra de São José já existir, o tombamento federal pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) está completando quase 45 anos de tramitação sem qualquer conclusão.

Conforme noticiado por O TEMPO em dezembro de 2019, as tratativas para o tombamento começaram ainda em 1979, a pedido do Instituto Histórico e Geográfico de Tiradentes (IHGT). No ano em que a “negociação” completava 40 anos, em agosto, o Iphan retomou o processo e a expectativa é que até 2021 o reconhecimento federal fosse concluído.

Segundo Luiz Cruz, apesar da promessa, o tombamento federal segue sem acontecer. O secretário Rogério Almeida disse torcer para que, com essa nova “ameaça” à serra, o processo de tombamento aconteça. “Quem sabe agora a gente consegue o tombamento definitivo, que seria mais um instrumento de preservação”, disse.